4 de agosto de 2011

Ensaios de Cabala: o NADA que SOMOS e o TUDO que deveríamos SER.


- ATO I -  

No ventre alongado do universo, o Nada Absoluto. Sinônimo de Ausência. Vácuo eterno e vapores essenciais: paisagens remotas da Eternidade. O fluxo hiperbóreo espargia sobejamente sua energia antes do nascimento do Tempo, e o possível condensava o TUDO em seu devir devastador - tudo aquilo que não estava ainda; tudo que viria sob a luz e as cores do esplendor, em sua glória refulgente. Sobre o NADA, a sombra transparente do Caos devorando o que não existia: atos da germinação que, na garganta do grande Abismo, a saliva fecundou, através da palavra, a maravilhosa obra da Criação. Teofagicamente, a canção dos primórdios, de corpo ágrafo, entoou sua melodia inaudível. Ninguém era, ninguém estava. 

  • A Lei: verbos elípticos e sons eclipsados no silêncio dos magmas fundadores - espetáculo de Vida e Morte.

- ATO II -

O Nada nasceu e concebeu o TUDO. Presença soberba dos elementos inanimados e das formas multíplices de vidas: as primevas, as incompreensíveis, as simples, as complexas, as etéreas e as densas. O Eterno se desdobrou sobre ondas infinitas e esféricas, e, no dorso da parábola da Luz, kairós e Chronós se imbricaram na tangência neutra. No zero, o ovo cósmico; na cápsula atemporal, a partícula suprema da Criação - fabulações fantásticas do Princípio Absoluto, que mantêm a ordem e a desordem em quantificações ininteligíveis. Determinismo e indeterminismo antagonizam-se na gestação cruel da finitude desde os primórdios. Na partilha do ovo, a emergência do dual, as contrações sísmicas e a dor titânica.

  • A Lei: a dualidade excêntrica e o ser primordial bradam o eco na espiral do tempo. 

- ATO III - 

No grande e interminável rolo - o papirus ígneo, cósmico, brilhante e espiritual - o verbo essencial, em sua modulação espectral e fantasmagórica, descreveu a passagem dos sulcos infinitos para as vagas finitas. Nas marés siderais, geneticamente assimétrica e hiperfractal, a invisibilidade da energia formava universos, galáxias, estrelas, planetas, e todas as formas vivas e singulares que povoam as dimensões conhecidas e desconhecidas para a visão humana: frágil, limitada e torpe. Entre o Real e o não - Real, o assombroso vácuo, onde os enigmas fundamentais estão guardados sob o selo da pedra mais que angular. Termos, pontes finais, corpos abissais e a nefasta zona de penumbra em que o Abismo, imutável, reina soberano.

  • A Lei: a conexão entre o mundo superior e o mundo inferior transformando o verbo no cordão de prata, que mantém as dimensões singulares em permanente estado de equilíbrio. 

Os três atos, apresentados acima, poderiam ser o inenarrável evento que engendrou o drama da Criação, em seu apogeu e glória, e sua vértebra espiralada flutuando no espaço infinito. As mãos abraçadas da inteligência suprema, pairando espessa e silenciosamente sobre o NADA, ainda absoluto, desprenderam-se, uma da outra, e os dedos do Criador, que estavam cerrados entre si, afastaram-se, num ato único e monumental, para abrir a cortina do Inefável! O espetáculo da Vida, então se iniciara, e o DNA essencial, poeticamente trançado, sugeriu, para além da imaginação humana, a possibilidade de ter sido, desse modo, a gênese da qual todas as coisas e seres, que são partes integrantes e inalienáveis da energia, que dera origem a tudo que é sensível, e que sobrevive nas várias realidades - cognoscíveis e não cognoscíveis - a misteriosa equação, donde emanou, de forma colossal, o líquido, o sangue e o hálito; as substâncias que aqueceram elementos corpóreos e incorpóreos para comporem a paisagem harmônica da proto-esfera, na qual entes e coisas divagavam indefinidamente. O NADA, assim, deixara de ser absoluto, e o TUDO fremia, no espaço nascente e em expansão profícua, o som polifônico da relatividade: filigranas que teceram na invisibilidade o grande texto visível, e tornaram, desde sempre, o visível em invisível. Diante do paradoxo fenomenal, uma questão se impõe: um convite à loucura ou a crueldade de uma inteligência suprema em relação à própria criação?
Bumerangues apartados, o que fascina à Humanidade não é a revelação dos segredos que subjazem a criação de tudo que pulsa nas artérias do Cosmo crescente, segundo os físicos quânticos, nesta atualidade, mas a permanência inabalável da verdade e seu trajeto sem fim, diluindo existências e reduzindo a pó todas as realidades, que se apresentam como edifícios sólidos diante de olhos que sucumbirão, um dia, na grande avalanche do Armagedom. É pétreo asseverar, portanto, que a verdade é uma cartilagem gasosa e a face humana - um contorno distante, que fora perfeito, quando o tempo não existia - em nada se assemelha ao estilizado desenho de um rosto, também humano, eternizado sobre a fantasmagórica paisagem de Cidônia, em Marte. 
A construção e a desconstrução da verdade, como um bólido que navega e retorna ao ponto de partida, parece ser uma das lógicas de algo ou de alguém, ou, talvez, de ninguém, que estivera, está, e, por esta via, deverá estar sobre o infinito para segurar as grandes (e) (super)cordas que sustentam, no oco do universo, todos os corpos, inertes e em movimento constante; todas as ânimas translúcidas e sombrias, que viajam sobre as ondas magnéticas, sobre a luz, sobre os fótons, e, também, sobre as vibrações de energia criptografadas e atemporais. Iluminados ou não, nascidos nas sombras ou emergidos das trevas, que consomem tudo que é perceptível e que dispõe de massa, e não pertencem, desse modo, à natureza limitada e limitante do ser humano, os desejos primordiais são forças que coexistem desde o surgimento magistral da Luz, que clareou as esferas viventes, em gradações plurais e singulares, e que se perdem no adimensionalismo da própria expansão do princípio, em sua força absoluta que não cessa de Ser - força motriz, que não se esgota na matriz do próprio Universo. Princípio e precipício, neste sentido, se confundem nos ares que dominavam o espaço sem forma, e a massa informe, sob o fogo que forjou do barro o coração adâmico, e do forno as criaturas instintivas, era a substância plasmática, condensada e rica em nutrientes fundamentais: partículas geradas no esplendor da Criação. 
Dos desejos, ainda, cabe ressaltar que todos são frutos da cobiça, dos desvios e das primeiras linhas sinuosas, que traçaram os desígnios insofismáveis da imperfeição. Móveis cegos, sem direção; egoístas e destruidores em sua essência, pois são e estão presos à natureza que os transformou nos sentimentos da fundação do NADA, e, por conseguinte, do TUDO, que, estranhamente, padece por causa das dores originais, perdidas em tempos imemoriais. Impulsivamente, os desejos primevos são goelas gigantescas, que sugam para dentro de esôfagos infernais a matéria que dá sentido a tudo que está no planalto da Criação. Obra prima que, em sua constituição genética, vibra como teia de linho fino e resistente a se espalhar vertiginosamente, para cima, para baixo, e para todos os lados; plenificando espaços e não - espaços, promulgados pelo Princípio Absoluto. 
Portando a própria vida e encadeando os elos enigmáticos, que correspondem à identidade da inteligência suprema, o NADA e o TUDO se confrontam, em duelos épicos, nas ramificações que se desmembram a partir da Árvore da Vida. As sephirots e sua representação nos flancos dos mundos revelam a conexão infalível entre o Criador e a criatura, denunciando o maior paradoxo na / da Criação: a dependência da entidade suprema em relação à primícia de sua criação, e a independência irrestrita da criatura. Assim, a entidade suprema sonhou, no absolutismo do NADA, o desejo da (sua própria) perfeição, em um exercício marcado pelo duplo: a autoflexão e a auto-reflexão; e que, na proclamação de sua ordem, seu desejo se materializou no TUDO. No TUDO, cuja lei fundamental emergiu da liberdade incondicional da criatura, expressada pelo livre arbítrio, para deflagrar, em processos latentes, os choques das forças antagônicas dos primórdios. Princípio do desvio, da errância, que define a Criatura no risco de sua existência, pois o embate das energias primordiais, imbricadas e conflitantes, geraram a força motriz, e que, por sua vez, move todas as estruturas possíveis, existentes nos mundos e nos universos paralelos e não - paralelos. Desse modo, a dualidade, em confronto contínuo e permanente, provoca, no atrito dogmático, a tensão que está presente no TUDO antes de o NADA existir, de fato e de direito.
Enraizada desde o NADA, a Árvore da Vida, com sua estrutura fundadora, vibra em consonância com a luz, emitida do estado zero da Criação, e que, em gradações infinitas e constantes, modulam os feixes da tensão, que estão presentes nos corpos animados e inanimados: elementos nomináveis e inomináveis, que sempre transitaram e transitam nas esferas da matéria e da antimatéria. Este tensionamento é a prova cabal de que todas as naturezas, das mais simples às mais complexas, são marcadas pelo código fundador da dualidade em estado de autoflexionamento. Na dualidade, o equilíbrio, mas, também, na dualidade, o desequilíbrio. Há, na criação, portanto, uma fissura fundamental, que, ao longo de sua existência - do processo fenomenológico à formação de todas as entidades - provoca a inversão polar da essência: o TUDO se transforma no NADA e o NADA se transforma no TUDO.
Ao deixar o absolutismo fundador, o NADA eclode na imensidão da eternidade e o TUDO triunfa sobre a não - realidade. Sob o Real, o TUDO, migrando para espaços soberanos, transporta, na velocidade da luz primordial, a fagulha excelsa do Criador, o gene remoto do NADA, que, presente na atemporalidade, se constitui no Princípio Gerador de Todas as Coisas - lei prima e balizada pela imutabilidade de sua função, ação e execução. Assim, entre o NADA que não desapareceu e o TUDO que não completou a sua expansão, há, de forma indelével, o grande vão da suprema inteligência. Neste vácuo fundamental, a verdade cifrada das sephirots, que suporta os seres, as coisas, os mundos, os universos, as entidades e o princípio gerador.
Na terminalidade da Criação, a inteligência humana, atingida pelas forças antagônicas, capta a luz vibracional, recebe os códigos mutáveis e imutáveis dos planos superiores e livres das leis temporais, mas é refém da natureza primordial, onde o triunfo do TUDO não garante a pulverização do NADA. No primeiro momento, e não partícipe do NADA ABSOLUTO, a existência humana era, com efeito, o sonho do Criador, sob a forma de desejo primaz e enigma inquestionável. No segundo momento, quando o NADA ABSOLUTO fora engolfado pelo TUDO, o ser humano tivera registrado, em seu código vital, o nada relativizado e latente, em sua espiral genética. A tensão vibratória da Árvore da Vida, que está contida nos processos que mantêm a criatura no plano rarefeito do Cosmo, da perfeição à imperfeição, revela, em última análise, o imponderável: a imagem e a semelhança do Criador na representação teológica e ontoteológica, cuja palavra de fundação sofreu a corrosão inevitável da desconstrução, do desfazimento e da própria nadificação, que nasceu sombria para jamais deixar de morrer. O NADA é; o TUDO não é.
O Homem, vaso luminoso que deveria ser, reverte sua polaridade essencial. O centro da criação descobriu em si a sua teofania; todavia aquele eliminou, em sua estrutura interior, os ramos intangíveis da árvore vital da qual aquele é parte indissociável. Assim, ao renegar-se como partícula divina, o Homem abandona o processo regenerativo da autoflexão, e prova, no limiar das paixões egoístas, o Abismo, com toda sua volúpia, ardente e voraz, cujo vórtice tende a eliminar a natureza sublime da Criação para dar lugar à voz concêntrica de um eco, marcado pela inflexão e pelo distanciamento de suas respectivas natureza física e metafísica.
Em processo agudo de degeneração, o Homem parece, portanto, navegar em outro espaço; talvez uterino, ou, quem sabe, final, pois, um dia, na curvatura do tempo, o recolhimento ou o retraimento da própria essência se fará necessário para que a ordem se restabeleça, de dentro para fora, e não de fora para dentro, como supõem observadores incautos e míopes da realidade circundante. Contra o abismo nadificante, um vórtice às avessas, cuja força renovará as veias elementais da Árvore da Vida - as sephirots -, e a densidade será leve, dessubstanciada, e, finalmente, etérea.


- ATO FINAL -

A Árvore da Vida carece de expansão. Novos ventos, novos sopros devem ser gerados nos pulmões do Criador, pois o NADA preencheu as vagas da consciência humana e o TUDO é apenas a aparência da realidade no crivo agudo da depressão.

  • A Lei: o TUDO deverá SER para que o NADA SEJA o próprio TUDO.