6 de outubro de 2010

CAMINHOS E DESCAMINHOS DA INCLUSÃO DIGITAL


Protagonista em versão updated, de uma realidade que cinde com as estruturas de um fisicismo empírico, o homem ocidental, ao descortinar o milênio, em sua terceira edição, não fere a celulose com a ponta lancinante de uma esferográfica – ícone primo de uma era dita moderna. Sua assinatura, ao contrário, é, em tempos hodiernos, uma ilustre navegante de um espaço digitalizado, corporificando-se e modulando-se como representante inconteste do código mutatis mutanti na cena pós-cibernética.
Os tempos finimilenares de outrora impuseram a compilação de saberes e a multiplicação de espaços, cada vez maiores e assombrosos na realidade macrocósmica da Humanidade. Os tempos atuais impõem o minimalismo e a concentração máxima de informações em unidades dominadas pela nanotecnologia. O Homem, nesta diretriz, ao reescrever a própria história, torna-se refém de sua errância, preconizando o percurso mítico do eterno retorno, sob o império do digitalismo; e a linguagem, por seu turno, é recodificada. Desse modo, a realidade do homo digitalis parece ganhar novas senhas de acesso à verdade em um mundo informatizado. A aldeia global, em análise parcial, transformou-se em uma grande teia: larga e em expansão contínua.
É neste emaranhado de fios de fluxo contínuo e descontínuo, no qual os paradigmas são substituídos por uma rede marcada por um paralelismo crescente, que os atores da realidade, em dimensões refratárias, são coadjuvantes da wide screen de plasma ou das teclas alfa-numéricas dos milhares de aparelhos de telefone celular, que invadiram o mundo real, transformando-se em uma verdadeira peste! Obsessão ou uma praga similar à dos tempos bíblicos? Nanotecnologia, personal computer e LCD são variantes de um maquinarismo dominante na realidade contemporânea, onde os dígitos são paramentos de última geração para os oráculos de uma antiguidade longínqua e legendária. A despeito disso, indago: cenas de um filme de ficção científica ou o realinhamento da realidade objetiva, sob a dinastia do digitalismo e da leitora ótica, cuja assinatura barra no ocultismo do laser o verdadeiro nome? A meu ver, aparentam ser rastros de um enigma aparentemente indecifrável.
Em tempos nos quais o acesso, a utilização e a socialização da informação, paulatinamente, desfazem a máxima de que o poder está circunscrito para aqueles que detém aquela, a inclusão digital revoluciona as esferas do próprio poder, seja de que natureza for, seja de que origem for. O mundo digital viabiliza, através do processo de inserção da grande massa populacional e planetarizada, a transformação do Real em sua forma radicular, essencialmente plena. A questão ideológica, que emerge da operação, na qual a inclusão é a palavra de ordem, revela a realidade de um mundo onde o obscurantismo, o anonimato e as sombras têm lugares primos pari passu àqueles que fidalgamente se banham nas luzes de uma caverna platônica, em unidades mecatrônicas de última geração. Viagens alucinatórias de um surrealismo esgarçado?
Os caminhos da inclusão digital estão mais próximos, ainda, do ambiente onírico do que da realidade concreta. Entretanto, é notório ressaltar que o fenômeno da globalização, que reduziu as dimensões do perímetro terrestre, estabeleceu nos links a realidade instantânea dos portais, que são abertos e fechados na velocidade de um zoom eletrônico - condição basilar para que uma legião de identidades infinitas acesse à realidade virtual com um simples toque nos teclados padronizados dos computadores, ou diretamente nas telas de constituição plasmática.
Destarte, sob a égide de que a informação é de todos e para todos, a inclusão promove, grosso modo, a pulverização completa da realidade objetiva, inaugurando um tempo marcado pela polifonia e pela destruição de unidades polares. Os vetores referenciais são, por esta via, ubíquos e exercem suas forças para todos os lados. Não há modelos a serem seguidos; não há padrões estabelecidos; há, sim, no processo de inclusão digital, a descoberta de verdades subjetivas concorrentes e insofismáveis, abrigadas em sítios e hospedeiros congêneres, no universo já consagrado pela expressão on line.
Os descaminhos da inclusão digital trazem na desconstrução das identidades o esvaziamento das subjetividades, de forma avassaladora. Se, por um lado, a grande massa, que antes jazia no império das sombras, e que agora assedia outros espaços, à cata da verdade essencial, como se fosse um troféu olimpiano; por outro lado, o triunfo da informação desintegra o modus cogitanti do Homem que, refém de um digitalismo numérico, é transformado em códigos cada vez mais complexos.
Assim, os descaminhos da inclusão digital sugerem o pesadelo como passagem para uma realidade em reordenação monumental. A urgência dos fatos e a obsolescência das máquinas arremessam as gentes para a tela fria dos computadores, e uma nova cartografia nasce na realidade do mundo digital: o mundo fragmentado em ilhas reais e virtuais, por excelência; e o isolamento de sujeitos, que desconstroem o dialogismo com a alteridade.
Para além do acesso ao mundo digital; para além do acesso à verdade, em tomos informatizados, a construção de uma linguagem universal, pautada pela sistematização de cadeias lógicas, racionais, e, em última análise, práticas, a inclusão digital deixará de ser um projeto para, com efeito, tornar-se a realidade de um mundo transglobal, no qual as ilhas formarão um corpo harmônico, apátrida e singularmente único.
Por enquanto, a lei que rege a cultura de um sapiens, em processo de falência sistêmica, é a de que a inclusão implica exclusão ou o seu princípio reverso. O campo ainda é o da reflexão. Por fim, indago à Esfinge: será isto uma utopia?



Nenhum comentário: