17 de outubro de 2010


O PRIMADO DA FILOSOFIA

Os gregos, na Antigüidade Clássica, repugnavam a possibilidade de serem chamados de sábios, pois defendiam a tese de que a sabedoria era um estádio a ser atingido como um processo contínuo de pensamento sobre a própria Vida. Neste sentido, importa clarificar o sentido da palavra sabedoria. Filós, amigo, sofia, saber. Amigo do saber: assim proclamavam os antigos pensadores, pois conseguiam, através dessa expressão, transmitir a idéia de construção do próprio saber enquanto universo que se expande, permanentemente, para todos os lados, em movimento esférico, ou na forma aspiralada do pensamento, desde a sua fundação, modulando a representação do infinito.
Na gênese do pensamento helênico, os pré-socráticos dominaram a cena filosófica, quando atestavam a verdade a partir da observação da realidade com seus respectivos processos fenomenológicos. Os fenômenos naturais e seus elementos fundadores – água, terra, fogo e ar – compunham o modo de pensar dos gregos, que apregoavam o conceito de que o Homem era essencialmente natural, e, portanto, o exercício do pensar adviria da compreensão do Homem enquanto natureza suprema, impondo, em última análise, o código Natureza Naturante. Daí, a filosofia clássica abordar tal questão sob o prisma da physis (natureza).
Postulava-se, a par do código Natura, uma oposição fundamental com o ser que constrói a História; i. e., a personagem que atua na cena da Cultura. O problema revelado neste equacionamento de contraditos está no fato de que os pré-socráticos admitiam que a veracidade do ato de pensar e sua legitimidade, enquanto processo terminal, estariam ligados, ambos, à proximidade ou não do Homem em relação a sua natureza como ser natural; o ser da physis.
Desse modo, o mundo cultural, representação concreta da razão, limitaria o agir e o pensar do Homem em detrimento de uma sociedade que preconizava a parte e não o todo – princípio fundador da Metafísica.
A tradição filosófica ocidental ancora sua verdade a partir do pensamento socrático e platônico, inicialmente; e continua, de forma exemplar, com Aristóteles. Todas as questões concernentes à Arte, à Política, à Economia, à Ética e à História estão fundamentadas no pensamento aristotélico até os tempos hodiernos.
A conjugação do pensamento helênico com o pensamento românico, inaugurando, na cena da história ocidental, a tradição greco – romana, vislumbra, com Plotino, um apelo à causa da razão como forma de afirmação de um império, no apogeu de sua existência – Roma –, para ratificar, por conseguinte, o Homem como o centro de todas as coisas existentes no universo, ainda que, posteriormente, houvesse um retrocesso, quando a Humanidade fora soçobrada pela idade das trevas, introduzindo, assim, no teor filosófico, o componente religioso como desconstrução de uma tradição ilibada do pensamento ocidental. Nesta direção, ressaltam-se os pensamentos de São Tomás de Aquino e de Santo Agostinho, cujas contribuições foram salutares para trazer à lume a questão teocêntrica como forma libertária do ser do Homem, na esfera do universal, sem, entretanto, contrapor os valores balizados pela Igreja Católica Apostólica Romana, que, à época, constituíra-se como móvel protagonista do poder político; além dos dogmas insofismáveis daquela que jamais deveriam ser questionados por qualquer mortal.
Mais tarde, Descartes, com a máxima filosófica Cogito Ergo Sum, ( Penso logo existo ) introduz, na tarefa do pensar, a noção de causa e efeito, determinando, desse modo, a existência como conseqüência imediata do ato de pensar. O pensamento cartesiano, marco para um homem voltado à prática da ratio (razão), determina o soerguimento do pensamento científico em todas as áreas, e expulsa, paulatinamente, o domínio da religião como verdade absoluta, essencial, para além dos muros de uma equação antropocêntrica, que, por sua vez, corrige o traçado do Homem, entronizando o ser do cogito na cena nuclear da História. Outrossim, o pensamento cartesiano questiona a postulação clássica de Parmênides, que afirma que o pensamento e o ser, em verdade, se confundem na essência, formando um módulo indissociável. Não há, para Parmênides, a compreensão do Ser sem a prática efetiva do pensar, e, portanto, o seu reverso.
Hegel, outro divisor de águas na Filosofia, determina a passagem do Homem da Idade Moderna para a Idade Contemporânea, ao defender o modelo triádico do pensamento humano, e, por esse turno, afirmar que o Homem é o ser contraditório, por excelência. Assim, para Hegel, em um estágio primário, o Homem afirma a verdade – TESE -, em um estágio secundário, o mesmo Homem nega a verdade estabelecida – ANTÍTESE – e, em um estágio terciário, o Homem supera a própria verdade – SÍNTESE. Tal postulação, em última análise, revisou o conceito da própria dialética, em cujo turno é deslindada uma terceira realidade, que emerge não para negar aquela, mas para favorecer o estabelecimento de outras realidades, nas quais as perguntas formuladas não têm respostas; e a contínua indagação promove o princípio constante da busca, através das possibilidades infinitas de proposições acerca do Real.
Nietzsche, um dos grandes filósofos do século XIX, afirma, em seu pensamento, que o Homem é um ser simbólico e a sua linguagem expressa verdades recônditas e impossíveis de serem desveladas por um processo lingüístico. O símbolo e o ícone são a representação arquetípica e essencial daquilo que o filósofo considera como humano, e, desse modo, cria o mito do super-homem, destituindo, da configuração existencial do próprio Homem, a permanência de quaisquer teses sobre a existência de um traço divinal. Para Nietzsche, Deus está morto e a religião impede o Homem de buscar a sua identidade primeva. Messias e líderes são eliminados do pensamento nietzscheano. Logo, o referido filósofo defende a tese do pensamento, cuja validade será plena, de forma totalizante, se o Homem conseguir, com efeito, libertar-se de quaisquer sistemas que possam limitar o exercício do pensar, e, neste direcionamento, assumir a face libertária, de fato e de direito no planeta.
Heidegger, na turbulência do século XX, com suas obras Sobre o Humanismo e o Ser e o Tempo, entre outros escritos filosóficos, retorna ao passado glorioso do pensamento helênico, e busca, na essencialidade da Linguagem, a forma mais radical para explicar o ser do homem. O Homem existe pela via da Linguagem e pela via da História. A conjugação de tais fatores eleva o pensamento heideggeriano para um patamar universal, que não dispensa as verdades que compõem o legado da Humanidade, mas, antes, são instrumentais para que o ser entre, definitivamente, em questão. A Linguagem é a Casa do Ser constitui-se, portanto, na máxima fundamental do filósofo supracitado. A compreensão do ser é possível apenas pelo estatuto da Linguagem, e o ser é um processo fenomenológico que se dá sendo, fundando o traçado da errância e da eterna busca pela completude da existência humana.
   

2 comentários:

Eduardo Guedes disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Eduardo Guedes disse...

Professor, já passei por aqui e li. Confesso que não entendi muita coisa, mas ao menos fiz minha parte. Abraços!